sábado, 10 de dezembro de 2011

Motivo de Ausência

Depois de tanto tempo sem escrever, nem sei por onde começar.

Acho melhor fazer um resumo dos últimos meses, mas em partes.

Parte I

Vou começar pelo pior. Acho que por isso não escrevi antes, o trauma ainda é forte.

Explico: O meu maior pesadelo como Mãe de UTI, se tornou realidade. Miguel foi internado novamente.

Miguel sucumbiu ao frio do inverno. Começou com uma tosse comum e espaçada. De repente ele estava tossindo feito louco e com o peito “chiando”. Fomos ao hospital e depois de uma inalação e alguns remédios, voltamos para casa. Mas ele começou a vomitar. Voltamos no médico e a mesma coisa, inalação e antiinflamatório. Ele estava abatido, mas conseguimos segurar ele em casa. Até que um dos pulmões parou de funcionar e tivemos que correr, dessa vez a internação foi inevitável. Ele piorou rápido e em algumas horas já estava na UTI Pediátrica e respirando por aparelhos. Esse leão atende pelo nome de Bronquiolite (infecção viral aguda das vias respiratórias inferiores que afeta lactentes)*.

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Por ter as veias dissecadas em razão de três Flebotomias (Procedimento cirúrgico por dissecação de uma veia para infusão de fluidos, no caso medicamentos)*, Miguel não podia ter um cateter central e tinha que ser furado várias vezes. Em apenas um pezinho ele tinha 8 furos de agulha. Como o estado dele era grave, precisou de uma medicação que paralisou seu sistema nervoso central. Ficou sedado por vários dias e quando finalmente acordou teve crises de abstinência. Foi uma coisa medonha. Imagine um viciado em drogas. Dá no mesmo. Ele se contorcia sem controle, mexia com a cabeça e os braços o tempo todo, até a língua ficou para fora da boca, como uma criança com problemas mentais.

Era difícil segurar. Eu e Luciano nos revezávamos no hospital. E quando ele ia melhorando, pegou uma infecção secundária (os vírus e bactérias se aproveitam da sua doença e imunidade baixa) Miguel teve febre e diarréia. Em um só dia ele evacuou 12 vezes. Uma criança que nunca teve uma assadura sequer, ficou com o bumbum em carne viva.

Foi tudo de novo. Só que dessa vez, bem pior. Quase perdi o controle. (Ok, algumas vezes eu perdi mesmo). Miguel já conhecia sua casa e seu cantinho. Era um bebê esperto e estava indo bem no tratamento. Mas a nova internação fez com que ele regredisse absurdamente. Esqueceu os movimentos da fisioterapia. Perdeu muito peso. E para piorar a situação, quando finalmente voltou para casa (depois de 22 dias internado, sendo 15 de UTI) ele ficou apático. Não respondia a estímulos, como se estivesse em depressão e se contorcia de uma dor que remédio nenhum deu jeito. Um desespero.

Aos poucos ele foi voltando ao normal. Descobrimos um novo refluxo e as coisas foram se ajeitando. Isso tudo aconteceu em julho.

Eu e Luciano ficamos arrasados com esse novo episódio. E não fui capaz de escrever nada, tamanha era a minha tristeza.

Mas Miguel é forte e venceu mais essa luta. Nos deixou orgulhosos mais uma vez e como sempre.

Hoje, cada tosse me causa tremor. Mas a nova internação me fez pensar em quão frágil e ao mesmo tempo forte é aquela criança. Como luta para viver. E como eu sou tão fraca perto dela.

Preciso desabafar e confessar. Tinha dias que eu chorava, em outros eu queria ficar do lado de fora conversando amenidades com as amigas do Hospital, só para não ver aquele sofrimento novamente. Quando Luciano me cobria, ficava ao lado dele o tempo todo. Firme. E eu me sentia fraca e desnaturada. Uma droga de mãe. Como se não merecesse o filho que eu tenho.

Ainda não sei se mereço. Mas me esforço para ser a melhor mãe possível. Mesmo ausente por causa do trabalho, tento compensar o tempo fora, com todos os beijos e cheiros possíveis. É um amor que dói.

E hoje quando estou muito estressada, bem diferente de antes - quando tremia, chorava e remoia os problemas de trabalho, eu olho no meu celular as fotos dele. A boca risonha e vazia. E repito o mantra: É só isso que importa. É só isso que importa. É só isso que importa.

Problemas são resolvidos, trabalhos existem vários, o estresse passa.

Mas só Miguel importa.

· http://www.medicoassistente.com/dicionario-medico-29?page=4)

terça-feira, 2 de agosto de 2011

1 ANO !!!


1 ano de Miguel

Desse tempo, algumas lembranças são apenas flashes, outras são nítidas. Falo primeiro das memórias turvas:


Alguma coisa se mexendo dentro da minha barriga.

A gestação saudável que de repente se complicou.

Eu e Luciano assistindo um jogo da Copa enquanto aguardávamos para fazer o exame.

A Dra. Suzana ligando insistentemente para saber do tal exame.

A médica do laboratório alertando pelo telefone a obstetra: “O bebê está em fenômeno de Centralização” (o sangue de Miguel só circulava entre cabeça e coração, o resto do corpo fica em segundo plano).

A Dra. Suzana falando ao celular que o tempo havia se esgotado.

O parto feito às pressas, em no máximo 15 minutos, já que a bendita ultrassonografia mostrava que o bebê estava em sofrimento.

Uma oração confusa num quarto de espera.

A obstetra dizendo bem longe que o corte da cesárea seria longo para que ela pudesse tirar o bebê com o mínimo de manipulação (depois eu entenderia que isso foi essencial para evitar uma hemorragia intracraniana).

As pernas tremendo de forma descontrolada, como se fossem se despregar do corpo.

A oração pedindo a qualquer Santo que me acalmasse.

A dormência nas pernas.

Luciano dizendo que “nasceu”.

Luciano querendo chorar e eu o impedindo, para que eu mesma não caísse em desespero.

O lençol azul escuro sendo levado às pressas nos braços de alguém de toca (fiquei sabendo que essa era a Dra. Miriam, chefe da UTI Neo Natal).

O conteúdo do lençol azul voltando dentro da caixa transparente.

Um monte de pele vermelha e pequenos ossinhos amontoados formando um bebê.

Eu chamando esse monte de pele e ossos de “Passarinho”.

Um apagão.

Descobrir que meu bebê é um prematuro, mas não um prematuro qualquer.

A ignorância sobre o que é um Prematuro Extremo.

A ilusão de que mesmo muito frágil, ele só ia ganhar peso e ir embora.

A completa falta de noção do que estava por vir.

E o que veio.

O resto vocês já sabem.

Narro agora, a nitidez dos meus dias atuais:

O cabelo liso e ralo no topo da cabeça no melhor estilo moicano.

Pequenas mãos e pés que pedem para serem mordidos.

Os olhos pretos e vivos como duas jabuticabas brilhosas.

As bochechas grandes e rosadas.

Pernas e braços finos e compridos.

As mesmas pernas compridas fazendo flexões no colo querendo pular.

O barulho que ele faz com a garganta, parecido com um ronronar quando está feliz.

O dedo indicador todo babado enfiado no canto da boca.

A mão inteira e babada enfiada na boca.

A alegria ao tomar banho.

A gritaria quando acaba o banho.

A briga para limpar as orelhas e o nariz.

Todos os objetos da casa se transformaram em pandeiros para ele bater.

O jeito como ele ajeita a chupeta nas mãos e acerta a posição para colocar na boca.

A cara de - “ai meu Deus, lá vem”- com que ele olha para fisioterapeuta.

Os barulhos engraçados que ele faz querendo falar.

O abuso ao querer ficar sentado quando nem consegue se equilibrar.

O sorriso por trás da chupeta quando me vê.

O xixi que ele faz quando eu já estou terminando de trocar a fralda e aí tenho que começar tudo de novo.

As perninhas balançando para mexer a cadeirinha sem ajuda.

O bumbum magro.

A prisão de ventre sem solução.

Cicatrizes no braço, nas costas, na perna, no pescoço e nas costelas que estão sumindo.

O sorriso vazio, cheio de gengiva.

O desespero da fome durante a madrugada.

O desejo desesperado de dormir uma noite inteira, sem interrupções.

O jeito como ele se desespera pela mamadeira, com as mãos e o biquinho abertos.

A despedida com vários beijos e cheiros pela manhã antes de sair para trabalhar.

A saudade dele durante o dia.

O desespero de vê-lo crescer saudável e recuperar o prejuízo da “prematuridade extrema”.

A preocupação de fazer tudo que ele precisa para ter qualidade de vida após a UTI.

Pensar no primeiro aninho dele, ver tudo o que passamos e perceber que mesmo assim o caminho não está nem metade.

Olhar para Miguel e ter certeza de como eu sou sortuda.

domingo, 15 de maio de 2011

OBRIGADA


Reconheço que no mais puro desejo de manter a minha sanidade mental, criei durante a minha estadia na UTI Neo Natal, este blog.

Como o diário de uma adolescente incompreendida, o blog foi meu amigo e confidente nos momentos mais difíceis. Joguei para ele toda a responsabilidade de ouvir o que eu precisava dizer sem questionar. Em alguns momentos o silêncio é necessário e fundamental.

Mas quando os primeiros seguidores se apresentaram, me surpreendi.

Meu amigo confidente estava espalhando meus segredos. No início fiquei desconfortável. Afinal, nunca fui de dividir problemas ou tristezas com ninguém. De repente, lá estava eu, mostrando a quem quisesse ver, o meu coração sangrando de tanto sofrimento.

Usei de metáfora para expressar tudo o que sentia e como enxergava a luta pela sobrevivência de um bebê que nasceu de forma tão abrupta.

O bebê se transformou num passarinho. E suas doenças em leões malvados. E os leões e o passarinho foram protagonistas de muitas histórias, algumas muito tristes. Mas o final foi feliz.

Miguel cumpriu a profecia. Fez jus à fabula criada por sua mãe de imaginação fértil e coração resistente.

Meu passarinho venceu TODOS os leões.

Muito se deu pela sua força e vontade de viver. Um pouco pelo amor e presença constante de seus pais; uma boa parte pela tecnologia, sabedoria e amor dos profissionais que cuidaram dele. Mas um bom tanto foi pela oração de todos vocês. Pelo carinho à distância. Pela agonia de saber novas notícias me cobrando novas palavras nesse blog.

Hoje Miguel está ótimo. Uma criança saudável. E segundo os médicos consultados até agora, SEM SEQUELAS!!!! (!!!!!!!!!!!!)

É claro que as particularidades de ser um prematuro extremo nos acompanharão por um bom tempo ainda. Mas, nada que bons cuidados, barriga cheia, bunda limpa e muito amor não resolvam.

Muito obrigada aos amigos por nos acompanhar e rezar por Miguel. Todas as preces, de todas as religiões foram ouvidas.

Obrigada a Deus e minha Deusa por tirar com suas mãos todas as mazelas.

Nada foi em vão.

Ainda bem e Graças a Deus. Amém.

domingo, 27 de março de 2011

Miguel em casa

Amigos do blog. Sei que estou muito atrasada com os textos. Mas estou sem tempo para escrever. Vou tentar melhorar. Prometo.

Vou contar para vocês como foram esses 4 meses fora do hospital. (Miguel recebeu alta em 08/11/2010)

Sempre ouvi mulheres falando que ser mãe é o máximo, é dádiva e blá-blá-blá.

Mas quando se é mãe de um Prematuro Extremo que ficou 5 meses numa UTI, ser mãe é “sinistro”. Dá medo, insegurança e uma vontade danada de sair correndo.

Mas, como sempre, eu encarei.

No dia 08 de novembro ele chegou em casa. Mostramos para ele cada cantinho. Seu berço, suas coisinhas todas verdes com tema de floresta, suas mamadeiras e todo resto.

Choramos muito. E a partir daquele momento não haveria técnicos, enfermeiras ou pediatras para fazer nada. Éramos nós três.

Sensacional.

E agora??????

Eu não tinha a mínima idéia do que é cuidar de uma criança.

E aí? Eu dou mamadeira? Troco a fralda, brinco, boto para dormir? Planto bananeira? Compro uma bicicleta?

Bateu um desespero....respirei fundo e decidi “deixar rolar”...

Para vocês terem idéia, as primeiras noites nem dormimos direito. E quando conseguia pegar no sono, eu dormia de óculos. É sério. Numa emergência, já levantava enxergando.

Pode até parecer exagero. Talvez tenha sido mesmo, mas foi eficaz.

E a pressão de cuidar de um prematuro é forte. Não posso me dar ao luxo de errar.

Há também como agravante a carga psicológica de ser o que os médicos chamam de “Mãe de UTI” - isso é algo pesado para se carregar. É um medo constante. Parece que qualquer vento vai trazer uma pneumonia.

E a possibilidade de uma nova internação me apavora. O hospital foi o lugar em que passei a maior parte do meu ano de 2010. Sofri muito. Aprendi muito. Fiz muitos amigos. Mas, não quero voltar nunca mais.

O pós UTI é intenso. Um especialista diferente a cada semana. Fomos ao Oftalmologista e a primeira boa notícia: todo sistema visual de Miguel estava pronto. Ele enxerga direitinho. Terá que voltar para novos acompanhamentos.

Depois foi o Otorrino. O teste da orelhinha que ele fez, deu falha no ouvido esquerdo e tivemos que repetir. Lá fomos nós.

Segundo a médica, ele só houve a partir dos 30 decibéis. Está no limite da normalidade e isso não vai atrapalhar seu desenvolvimento. Só não pode aumentar, ou teremos problemas. Mais um acompanhamento.

O próximo médico foi o Neuropediatra. Esse disse que ele está bem. Passou alguns exames para cortar o uso do Gardenal (sim, ele toma esse remédio – lembram que ele teve meningite e crises convulsivas?).

Um dos exames – a Ultrasonografia de Crânio deu alteração. Uma dilatação do ventrículo (onde se produz o líquido da espinha) esquerdo. Segundo a pediatra, essa dilatação é uma seqüela da meningite e ele já a possuía nos tempos de UTI. O tamanho dessa dilatação deve ser controlado mensalmente. Se esse troço aumentar pode acarretar numa hidrocefalia. Aí, danou-se. Outro acompanhamento.

Fora as consultas pediátricas mensais. Ufa.

Agora ele faz Fisioterapia motora. Por ser prematuro (de novo essa palavra), seus movimentos e desenvolvimento motor são muito atrasados com relação às outras crianças da mesma idade.

Miguel tem hoje 9 meses. Mas ainda não rola, não tem força para sentar, e muito menos engatinhar. Seu progresso é visível. A cada dia que passa, ele fica diferente e mais esperto.

Já emite vários sons engraçados e odeia ficar de bruços. É risonho e não chora muito. Estamos começando com a papinha salgada, mas ele ainda não se acostumou.

É uma figurinha.

Agora falta uma vacina especial. Existe um vírus que transmite uma espécie de gripe que pode matar o prematuro (acredite se quiser). O restante das vacinas está em dia e Graças a Deus, desde que saiu do hospital, não teve problemas.

Uma coisa é preciso ser dita: Todas as orações, de todas as religiões. De todos os amigos e mesmo daqueles que não nos conheciam.

Todas elas foram ouvidas. Jamais terei palavras para agradecer tudo isso.

Meu passarinho sobreviveu às agruras da UTI. Agora ele tem uma vida inteira fora da caixa transparente.