sexta-feira, 20 de agosto de 2010

EU, LUCIANO, MIGUEL E DEUS

Dicionário Aurélio:

Desespero: desesperação, aflição extrema.
Medo: sentimento de viva inquietação ante a ameaça de perigo real ou imaginário de ameaça, pavor, temor.

Foi isso que eu senti quando o Dr. Joaquim, pediatra, deu seu parecer a Luciano numa terrível sexta-feira: “_ Seu filho tem chance, mas corre risco de vida”.
Nessa hora, meu cérebro virou mingau. Minhas pernas perderam as forças e eu fiquei oca. Não conseguia enxergar nada. Parecia tudo embaçado. Depois percebi que eram lágrimas que enchiam meus olhos e sujavam meus óculos.
Só me restou o instinto de respirar. Não pensava. Não falava. Não me movia. O torpor tomou conta de mim.
Por que isso? Miguel está com Hipertensão Pulmonar. Seu pulmãozinho já ferido pelo oxigênio travou. A pressão dentro dele era maior que a do ar que vem de fora para respirar.
Foi um pandemônio e muitas drogas foram adicionadas ao seu já recheado prontuário. E em pouco tempo dois “postes” com bombas de remédio se erguiam ao lado do seu leito. Foram nove ao todo. Fora os medicamentos de horário que não entram no poste. Até viagra que é um vaso dilatador, ele tomou, na dosagem correta, é claro.
Foi necessário um acesso central ou Flebo como é chamado. Esse troço é como um cano enfiado numa veia dissecada dele. Foram feitos dois, porque um não deu certo.
O ventilador que leva oxigênio pelo tubo, estava agora em “alta freqüência”, ou seja, o aparelho faz com o pulmão fique aberto e respirando, mas o paciente fica tremendo 100% do tempo. Tem noção? E como ainda era pouco, essa alta freqüência fez o pulmão de Miguel “romper”, vazando ar para o tórax. Para esse problema foi introduzido um dreno ou sonda nas costelas dele para que o fluído saia.
Esse foi até hoje o maior leão que Miguel enfrentou e ainda enfrenta.

Nós e Deus

Quando vi tudo isso só me veio uma coisa em mente: “”Caraca” (mentira, pensei um palavrão parecido com isso) – agora “ferrou” (outra mentira) – a “porcaria” (mentira de novo) toda”.
Por um momento achei que fosse enlouquecer.
Quando se tem um bebê há quase 60 dias numa UTI, a impressão é que o oceano está na sua frente e você tem que nadar a pequenas braçadas todo ele, até que chegue em terra firme. Essa terra tão distante, esse lugar se chama “Alta”.
E meu mar que nunca foi de calmaria, foi acometido por um maremoto digno de Poseidon. Estávamos eu, Luciano e Miguel no meio dele.
No sábado a Dra. Paola – pediatra, depois de explicar a gravidade da situação, foi sincera, como sempre: “Ele tem 48 horas para responder, já fizemos tudo que podíamos. Conversem com Miguel e diga para ele seguir seu caminho”.
E foi o que eu fiz. Achei que era o certo a fazer.
Com o sofrimento meu e dele bloqueando meus sentidos, conversei com Miguel. E foram as palavras mais dolorosas que disse em minha vida:
“Miguel. Eu sei o que está acontecendo. E eu te amo tanto, mas tanto, que não quero te ver sofrendo. Se você for para o colo de Papai do Céu, eu e seu pai vamos ficar tristes sim. Mas vamos te entender. Se você for um anjo que veio para minha vida e tiver que voltar para o seu lugar, pode ir. Você será sempre meu passarinho. Eu te amo”.
Saí da UTI e chorei. Chorei como nunca havia chorado em minha vida.
É uma dor sem nome. Que ainda dói sempre que ele piora.

No meio do maremoto que enfrentávamos (e ainda enfrentamos), só tinha uma bóia para todos nós, e estava gravado com letras grandes: Fé em Deus.
E foi nela que nos agarramos. Já não tínhamos mais lágrimas. Apenas fé. Abalada, mas ainda estava lá.
O fim se semana passou e se esgotaram as 48 horas. Isso já faz mais ou menos 12 dias.
Miguel continuou e continua lutando. Graças a Deus.
O pulmão ainda não melhorou muito, mas as drogas diminuíram.
Nós deixamos ele ir, mas ele não quis.
Esse leão que ele enfrenta é cruel, é forte e difícil, mas Miguel é muito valente. E o mais importante: meu passarinho quer viver.

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

OS ANJOS DE MIGUEL

Dessa vez não vou fazer propriamente um texto. Resolvi homenagear e de certa forma apresentar a vocês algumas das pessoas que cuidam das crianças na UTI Neo Natal, e que estão mais próximas a Miguel.
O que fiz foi perguntar a elas o que é cuidar dessas crianças que não são seus filhos – mas também são. Eis aqui seus depoimentos:

• O que é para você cuidar desses bebês?

 “Eu gosto eu mesma de “furar” por que eu sei – modéstia a parte – que será bem feito”. (Ana Maria – mãe Lais, Mayra e Juliana - Téc. De Enfermagem do laboratório que colhe os exames de sangue da criançada)

”Aqui é uma extensão da minha casa. São crianças especiais” (Mônica, enfermeira, mãe do Pedro )

 “É meu segundo papel nessa vida (depois de ser mãe)”. (Dra. Gabriela, mãe do Guilherme e da Beatriz – médica responsável pelo “Eco”)

 “Como uma responsabilidade muito grande. Por que essas crianças são o verdadeiro sonho dos pais, que esperaram muito tempo e na maioria das vezes não terão oportunidade de ter outros filhos. Por isso, tento sempre fazer o melhor possível para o bem estar dos bebês e dos pais. E eu amo demais, não presto para outra coisa.” (Magny, Téc. de Enfermagem, não é mãe – ainda).

 “São a luz do meu trabalho. É demais trabalhar para eles. Eu trabalho mais para eles do que para mim.” (Etiene, fisioterapeuta, não é mãe, mas cuida da respiração do Miguel).

 “Tenho muito carinho por eles. Acho que nosso sentido maior é poder fazer com que eles possam ir embora nas melhores condições possíveis.” (Luciana, enfermeira, não é mãe)

 “É uma coisa que eu gosto muito. Que me faz bem. É uma satisfação. É importante para eles serem bem cuidados.” (Fabiana, Tec. De Enfermagem, não é mãe, mas cuida do Miguel todas as tardes.)

”Eu amo o que eu faço. E não sei fazer outra coisa que não seja isso. Se me tirar daqui, perco a referência.” (Sabrina, Téc. de enfermagem, mãe da Kaylane e do Icaro)

 “Eu tenho uma dádiva de ter escolhido uma profissão onde o que eu penso e o que eu faço pode alterar o destino dos pacientes. E quando a gente consegue superar os desafios é muito gratificante.” ( Dra. Miriam, pediatra, mãe da Carolina – pegou e cuidou do Miguel na hora da cesariana e cuida ainda hoje).

 “È uma satisfação enorme. Diariamente uma batalha pela vida. Eu amo o que eu faço. Não faria outra coisa na vida”. (Dra. Andréa, pediatra – não é mãe).

 “É gratificante. Principalmente esses pequenininhos igual ao Miguel. E o que me mais toca ainda é a dedicação dos pais, o empenho.” ( Dr. Joaquim, pediatra – pai do Francisco, da Maria Clara e avô da Beatriz).

 “É uma outra responsabilidade. A gente se apega demais. A gente fica feliz com cada vitória e chateado quando eles regridem um pouquinho.” (Simone, Téc. De enfermagem).

 “É tudo. Uma baita realização. Muita responsabilidade, mas muito prazer e muito retorno. Há algumas perdas e uma renovação. Todos os dias eu me renovo. É como ser mãe deles, de uma maneira figurativa. Mas sou mãe deles.” (Dra. Paola, pediatra, mãe do Piero e do Matheus – acha Miguel um pentelho por ter tantas complicações).

“ Para mim é tudo cuidar deles. Não tem outra coisa que não seja isso. Eu me orgulho muito de mim por saber cuidar deles. É um dom divino, que Deus escolhe a dedo quem vai cuidar deles. E eu fui escolhida.” ( Renata - Téc. De enfermagem, mãe da Julia – cuida – muito bem - do Miguel todos os dias).