terça-feira, 2 de agosto de 2011

1 ANO !!!


1 ano de Miguel

Desse tempo, algumas lembranças são apenas flashes, outras são nítidas. Falo primeiro das memórias turvas:


Alguma coisa se mexendo dentro da minha barriga.

A gestação saudável que de repente se complicou.

Eu e Luciano assistindo um jogo da Copa enquanto aguardávamos para fazer o exame.

A Dra. Suzana ligando insistentemente para saber do tal exame.

A médica do laboratório alertando pelo telefone a obstetra: “O bebê está em fenômeno de Centralização” (o sangue de Miguel só circulava entre cabeça e coração, o resto do corpo fica em segundo plano).

A Dra. Suzana falando ao celular que o tempo havia se esgotado.

O parto feito às pressas, em no máximo 15 minutos, já que a bendita ultrassonografia mostrava que o bebê estava em sofrimento.

Uma oração confusa num quarto de espera.

A obstetra dizendo bem longe que o corte da cesárea seria longo para que ela pudesse tirar o bebê com o mínimo de manipulação (depois eu entenderia que isso foi essencial para evitar uma hemorragia intracraniana).

As pernas tremendo de forma descontrolada, como se fossem se despregar do corpo.

A oração pedindo a qualquer Santo que me acalmasse.

A dormência nas pernas.

Luciano dizendo que “nasceu”.

Luciano querendo chorar e eu o impedindo, para que eu mesma não caísse em desespero.

O lençol azul escuro sendo levado às pressas nos braços de alguém de toca (fiquei sabendo que essa era a Dra. Miriam, chefe da UTI Neo Natal).

O conteúdo do lençol azul voltando dentro da caixa transparente.

Um monte de pele vermelha e pequenos ossinhos amontoados formando um bebê.

Eu chamando esse monte de pele e ossos de “Passarinho”.

Um apagão.

Descobrir que meu bebê é um prematuro, mas não um prematuro qualquer.

A ignorância sobre o que é um Prematuro Extremo.

A ilusão de que mesmo muito frágil, ele só ia ganhar peso e ir embora.

A completa falta de noção do que estava por vir.

E o que veio.

O resto vocês já sabem.

Narro agora, a nitidez dos meus dias atuais:

O cabelo liso e ralo no topo da cabeça no melhor estilo moicano.

Pequenas mãos e pés que pedem para serem mordidos.

Os olhos pretos e vivos como duas jabuticabas brilhosas.

As bochechas grandes e rosadas.

Pernas e braços finos e compridos.

As mesmas pernas compridas fazendo flexões no colo querendo pular.

O barulho que ele faz com a garganta, parecido com um ronronar quando está feliz.

O dedo indicador todo babado enfiado no canto da boca.

A mão inteira e babada enfiada na boca.

A alegria ao tomar banho.

A gritaria quando acaba o banho.

A briga para limpar as orelhas e o nariz.

Todos os objetos da casa se transformaram em pandeiros para ele bater.

O jeito como ele ajeita a chupeta nas mãos e acerta a posição para colocar na boca.

A cara de - “ai meu Deus, lá vem”- com que ele olha para fisioterapeuta.

Os barulhos engraçados que ele faz querendo falar.

O abuso ao querer ficar sentado quando nem consegue se equilibrar.

O sorriso por trás da chupeta quando me vê.

O xixi que ele faz quando eu já estou terminando de trocar a fralda e aí tenho que começar tudo de novo.

As perninhas balançando para mexer a cadeirinha sem ajuda.

O bumbum magro.

A prisão de ventre sem solução.

Cicatrizes no braço, nas costas, na perna, no pescoço e nas costelas que estão sumindo.

O sorriso vazio, cheio de gengiva.

O desespero da fome durante a madrugada.

O desejo desesperado de dormir uma noite inteira, sem interrupções.

O jeito como ele se desespera pela mamadeira, com as mãos e o biquinho abertos.

A despedida com vários beijos e cheiros pela manhã antes de sair para trabalhar.

A saudade dele durante o dia.

O desespero de vê-lo crescer saudável e recuperar o prejuízo da “prematuridade extrema”.

A preocupação de fazer tudo que ele precisa para ter qualidade de vida após a UTI.

Pensar no primeiro aninho dele, ver tudo o que passamos e perceber que mesmo assim o caminho não está nem metade.

Olhar para Miguel e ter certeza de como eu sou sortuda.